google.com, pub-7850997522645995, DIRECT, f08c47fec0942fa0
google.com, pub-7850997522645995, DIRECT, f08c47fec0942fa0No feriado de 12 de outubro de 1977, o Palácio do Planalto amanheceu protegido por soldados e atiradores de elite em posições estratégicas. O presidente da República decidira exonerar seu ministro do Exército, Sylvio Frota, que era abertamente contrário ao processo de abertura lenta e gradual na política brasileira. Naquele dia de Nossa Senhora Aparecida para os católicos ou de comemorar a descoberta da América, ocorreu o confronto decisivo entre os partidários da democracia e os defensores do regime fechado conduzido pelos militares.
Geisel enviou emissários ao aeroporto de Brasília onde ocorreu o estica e puxa político-militar. Uns eram convencidos a ir para o quartel general do Exército outros para o Palácio do Planalto. O presidente venceu o confronto, determinou a exoneração de seu Ministro do Exército, que foi substituído pelo general Fernando Bethlem. Este lance pavimentou o caminho para o general João Baptista Figueiredo subir a rampa do Planalto, promulgar a lei da anistia e abrir o caminho para a convocação da Assembleia Constituinte. Coube aos integrantes da chamada linha dura amargar a derrota, cuidar das feridas e resmungar no fundo de cena política.
Os herdeiros daquela turma de perdedores se espalharam pela babel brasileira. Uns se envolveram com o negócio das drogas, que no final dos anos setenta passou a ter maior presença no Brasil. Os jogos de azar atraíram alguns, outros decaíram para o grupo de ladrões profissionais do erário público e milicianos que infestaram áreas não protegidas pelos governos locais e nacional. Militares indignados sempre houve. O jovem militar Jair Bolsonaro foi punido por tentar colocar bomba no quartel por causa de baixos salários. Ele sempre se manifestou contra a anistia.
Teve início precisamente naquele momento o lento processo de organização recente da extrema direita no Brasil. A insatisfação na caserna era grande. Na década de oitenta ocorreu uma série de explosões de bomba em jornaleiros e até na sede da Ordem dos Advogados do Brasil, no Rio de Janeiro. A mais séria delas ocorreu em 1981 quando dois militares do Exército tentaram explodir a estação de energia do Riocentro – enorme centro de convenções na Barra da Tijuca – durante a realização de um show de música popular. A bomba explodiu antes da hora, matou o sargento e feriu gravemente um capitão. O Exército brasileiro foi flagrado e fotografado naquela operação.
Essa é a face visível daqueles que se colocam contra o regime democrático. Seu aspecto menos conhecido é a ação daqueles que perderam o bonde da história quando houve a decisão de abrir o regime e passaram a trabalhar com tráfico de drogas, crime organizado e posteriormente as milícias, que hoje infestam a cidade do Rio de Janeiro. Esse grupo sempre tentou ter representação política. Encontrou na figura do capitão Jair Bolsonaro, truculento e pouco instruído, o candidato perfeito. Era o personagem favorável a tortura, contra a anistia e a favor da ditadura militar, deputado federal ideal para representá-los na alta política.
Bolsonaro contra todas as expectativas venceu a eleição sem partido forte, sem projeto e sem equipe. Ele se socorreu dos militares que, antes, haviam sido afastados do poder. O ajudante de ordens do general Silvio Frota era o capitão Augusto Heleno, hoje general e chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Foi ele que disse, na porta do Palácio da Alvorada “infelizmente, Lula não morreu”. Nos Estados Unidos, Donald Trump, presidente, também fora dos padrões usuais daquele país, assumiu posição de direita radical na política interna e na área externa decidiu confrontar a China. No que foi imediatamente imitado por Bolsonaro.
Muito já se falou sobre o desastre da administração Bolsonaro que termina hoje. Não vale a pena repetir todos os desmandos aqui. Foi devastadora em todas as áreas de governo e trouxe à tona os mais violentos opositores do regime democrático. Eles fragilizaram a convivência pacífica dos divergentes no mesmo espaço político com pleno e indisfarçável apoio de Bolsonaro. Aos militares descontentes, se uniram alguns grupos de empresários da cidade e do campo que temem um novo governo Lula.
A menor distância entre dois pontos, em termos de história, não é a linha reta, mas um caminho sinuoso e delirante. O período Bolsonaro foi o momento delirante e perigoso experimentado pela política brasileira. Tão fora da curva que ele concluiu seu mandato, exilado em Orlando, na Flórida, em condomínio de brasileiros próximo da Disneylândia. É o realismo mágico que, às vezes, desborda para o ridículo na cena política latino-americana.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)